sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Doçaria Portuguesa (João Luis)












SinopseA notoriedade que os doces têm na mesa dos portugueses é antiga: vem do século XV, quando Portugal iniciou uma produção de açúcar em larga escala em suas colônias atlânticas. O cardápio de guloseimas ficou ainda maior com o cultivo da cana-de-açúcar no Brasil. Mas tanto aqui quanto na Europa, o começo dessa tradição está profundamente ligado à Igreja. A princípio, a tarefa era uma responsabilidade das irmãs monjas. No início da Época Moderna, a população feminina dos conventos era, em sua maioria, composta de mulheres que não tinham escolhido o hábito por fé, e sim por imposição social – normalmente, familiar. A feitura de quitutes ajudava a suportar a rigidez do claustro. Essa produção ganhou grande impulso nos séculos XVIII e XIX, quando Portugal passou a ser o principal produtor de ovos da Europa, e possivelmente do mundo. A maior parte dela tinha destino certo: a clara era um elemento purificador na fabricação do vinho branco – o termo “clarificação” indica este processo, que tem como efeito a decantação e a aglutinação – e servia para engomar as roupas da aristocracia e os hábitos de freiras e padres. Nos conventos portugueses, o rigor e a tradição exigiam roupas fartas, pesadas, com palas, golas e punhos perfeitamente engomados. Além disso, para cumprir o cerimonial cristão, fabricavam-se hóstias em grandes quantidades para a comunhão – capaz de alimentar a alma e manter o corpo casto – usando o singelo ingrediente. Mas com tanta clara sendo exportada para países europeus produtores de vinho, como França, Espanha e Itália, qual seria o destino das gemas? As freiras, em seu ritual de separá-las, perceberam que o desperdício poderia se transformar num “pecado lucrativo”: a produção de iguarias finas que se tornaram a marca registrada da culinária lusitana. Nas fazendas mantidas pela Igreja, nos mosteiros e, principalmente, nas centenas de conventos que se espalhavam pelo interior do país, a gema servia de alimentação para as criações de porcos e outros animais, que, por sua vez, alimentavam monges, freiras e aldeões das redondezas. Mas a gema disponível era tanta que ainda assim sobrava. A quantidade de matéria-prima, aliada à fartura do açúcar que vinha das colônias, se transformou em inspiração para o surgimento de experimentos doceiros à base de gema de ovos realizados pelas cozinheiras dos conventos. Não por acaso, muitos nomes de doces portugueses são inspirados na fé católica: argolas da abadessa, barrigas de freira, beijo de frade, fatias celestes, farrapos do céu, manjar celeste, orelhas de abade, palmas de abade, papos de anjo, queijos do paraíso, toucinho do céu e o pão de ló – uma homenagem a Ló, sobrinho de Abraão, salvo por anjos de Gomorra às vésperas da destruição da cidade pela ira de Deus. Em 1752, durante o reinado de D. José I (1714-1777), o Regimento dos Confeiteiros – regulamento que determinava princípios e orientações para confeiteiros e doceiros de Portugal – já citava alguns desses quitutes. O destino das iguarias, mais do que a alimentação dos religiosos, era a venda nos vilarejos das redondezas.
















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